¶ 26 de Abril de 2024
Virgílio não nos diz que os aqueus aproveitaram os intervalos de escuridão para entrar em Troia; fala dos amistosos silêncios da Lua. Não escreve que Troia foi destruída; diz “Troia foi”. Não escreve que um destino foi infeliz; escreve: “De outra maneira o entenderam os deuses”. Para expressar aquilo que agora se chama panteísmo deixa-nos estas palavras: “Todas as coisas estão cheias de Júpiter”. Virgílio não condena a loucura bélica dos homens; diz “o amor do ferro”. Não
nos conta que Eneias e Sibila erravam solitários sob a escura noite; escreve: “Ibant obscuri sola sub nocte per umbram!
Não se trata, certamente, de uma mera figura de retórica, do hipérbato: solitários e escura não mudaram o seu lugar na frase; as duas formas, a habitual e a virgiliana, correspondem com igual precisão à cena que representam.
Jorges Luis Borges, trad. Cristina Rodriguez e Artur Guerra
¶ 26 de Abril de 2024
¶ 26 de Abril de 2024
se eu fosse eloquente na tua língua
dir-te-ia
quando alguma coisa difícil te ama,
como é
quando começas a amá-la de volta,
e como isto pode
custar-te tudo.
¶ 25 de Abril de 2024
Exposição com materiais do Arquivo Ephemera
¶ 24 de Abril de 2024
A poesia do abstracto?
Talvez.
Mas um pouco de calor,
A
exaltação de cada momento.
É melhor.
Quando sopra o vento
Há um corpo na lufada;
Quando o fogo alteou
A primeira fogueira,
Apagando-se fica alguma coisa queimada.
É melhor!
Uma ideia,
Só como sangue de problema;
No mais, não,
Não me interessa.
Uma ideia
Vale como promessa,
E prometer é arquear
A grande flecha.
O flanco das coisas só sangrando me comove,
E uma pergunta é dolorida
Quando abre brecha.
Abstracto!
O abstracto é sempre redução,
Secura.
Perde,
E diante de mim o mar que se levanta é verde:
Molha e amplia.
Por isso, não:
Nem o abstracto nem o concreto
são propriamente poesia.
Poesia é outra coisa.
Poesia e abstracto, não.
Vitorino Nemésio
¶ 23 de Abril de 2024
¶ 23 de Abril de 2024
- Era uma casa - como direi? - absoluta.
Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metias as mãos na água: adormecia,
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade
¶ 22 de Abril de 2024
Estou a tentar ficar melhor.
Não quero ir de viagem.
Pintei a sala de estar de branco
e
tirei a maior parte das minhas coisas.
A sala nunca esteve tão vazia.
Ouço de repente o som de um trovão
e a chuva que subitamente cai lá fora.
Deixo a máquina de escrever e corro
ao exterior de vestido de noite e tiro
o lençol de algodão da corda.
É verão e eu estou a meio
da minha vida. Sozinha e feliz.
¶ 20 de Abril de 2024
¶ 20 de Abril de 2024
O que é a indiferença? Etimologicamente, a palavra quer dizer ‘sem diferença’. Um estado estranho e antinatural em que se esbatem as linhas entre a luz e a escuridão, crepúsculo e alba, crime e castigo, crueldade e compaixão, bom e mau.
Elie Wiesel
¶ 19 de Abril de 2024
Sei de um capitão pirata,
que é dono de um verde mar,
que tem seu barco de prata,
mas deixou de navegar.
Que se enamorou da terra,
que se entregou à prisão,
e entre quatro muros erra,
murmurando uma canção.
Cecília Meireles
¶ 17 de Abril de 2024
por uma branca vereda,
entre o campo verde,
em
direcção ao azul das serras,
em direcção aos montes azuis,
numa manhã serena.
Senti a tua mão na minha,
a tua mão de companheira,
a tua voz de menina no meu ouvido
soando como um sino recente,
como um sino inaudito
na manhã de primavera.
Eram a tua voz, a tua mão,
em sonhos, tão reais!...
Vive, esperança. Quem sabe
o que devora a terra!
¶ 16 de Abril de 2024
¶ 16 de Abril de 2024
Andei por tantos caminhos,
naveguei por cem mares,
e atraquei em cem margens.
Em toda a parte vi
caravanas de tristeza,
sombras negras de soberbos
e melancólicos bêbedos,
e pedantes embrulhados em robes
que olham, calam e pensam
que sabem mais, porque não bebem
o vinho miserável das tabernas.
Homens cruéis que caminham
e vão empestando a terra…
E em toda a parte vi
pessoas que dançam e brincam,
quando podem, e trabalham
a pouca terra que lhes coube.
Nunca, se chegam a um lugar,
perguntam onde chegaram.
Quando caminham, cavalgam
às costas de velhas mulas,
e não conhecem a urgência
nem em dias de festa.
Onde há vinho, bebem vinho;
onde não há, bebem água fresca.
São pessoas boas que vivem,
trabalham, passam e sonham,
e num dia como qualquer outro,
se deitam debaixo da terra.