Covid-19 abre a porta para uma economia mais sustentável?
D e um dia para o outro, os governos puderam enviar cheques a toda a gente, pagar a milhões de empresas para não despedirem trabalhadores, injetar biliões nos sistemas de saúde e carregar no carvão do endividamento. Os constrangimentos financeiros parecem ter desaparecido, pelo menos temporariamente. É essa a força de uma crise de dimensão histórica: tornar possível o que, até agora, era irrealista. Com isso, ela abre um novo quadro mental. Se foi viável para responder a uma emergência de saúde pública, não poderíamos aplicar a mesma lógica a outro desafio existencial, como o das alterações climáticas? Economistas e instituições internacionais veem este momento como uma oportunidade única para transformar as nossas economias. Em primeiro lugar, é importante definir o que é uma economia mais sustentável. A resposta não é fácil e diferentes pessoas terão diferentes ideias sobre como consegui-lo. É relativamente consensual que terá de se colocar no centro o clima, mas as necessidades de reforma podem não se esgotar aí. Com crises cada vez mais frequentes e profundas, valerá a pena refletir acerca de formas para tornar os nossos sistemas económicos e financeiros mais resilientes. Tem sido dada também cada vez mais atenção às limitações das métricas de crescimento e à necessidade de se valorizar indicadores de bem-estar, assim como à insustentabilidade do agravamento das desigualdades nos países mais ricos. Michael Jacobs é professor na Universidade de She?eld e ficou responsável por coordenar um relatório encomendado pela OCDE, com o objetivo de encontrar novas abordagens mais sustentáveis para economia, que a organização possa usar para aconselhar os governos das economias mais desenvolvidas do mundo. O documento, intitulado Beyond Growth foi publicado em setembro e sintetiza aquilo que os autores consideram ser uma via alternativa, numa altura em que há dúvidas sobre as soluções convencionais. Em conversa com a EXAME, o economista assinala o que lhe parece não estar a funcionar. COVID-19 ABRE A PORTA PARA UMA ECONOMIA MAIS SUSTENTÁVEL? O choque da Covid-19 e o esforço para combater os efeitos da pandemia provocaram uma catástrofe financeira um pouco por todo o mundo. Mas os problemas que expôs e as soluções que forçou podem ter aberto uma janela de oportunidade para se construir uma versão mais sustentável da nossa economia, das alterações climáticas à desigualdade. O que teria de mudar para isso acontecer? Texto Nuno Aguiar ANÁLISE “Ainda temos o legado da recessão provocada pela crise financeira. Países europeus não conseguiram reduzir muito o desemprego, a produtividade tem estado baixa, temos níveis elevados de desigualdade e continuamos a alimentar os fatores por detrás das alterações climáticas”, explica. “E isto tudo num período em que ainda não regressámos sequer à normalidade, com os balanços dos bancos centrais ainda muito insuflados. Também não resolvemos os problemas de equilíbrio financeiro, mantendo níveis de dívida muito elevados. São sintomas de economias que não estão a funcionar bem. É difícil encontrar uma economia avançada que esteja hoje num bom momento.” O argumento central do relatório é que estamos no centro da tempestade. Um momento de mudança do paradigma económico, em que as soluções do passado se mostram limitadas, mas em que as novas receitas ainda geram desconfiança. Já tivemos momentos semelhantes no passado. Nos anos 30-40, o keynesianismo trouxe novas opções para os governos lidarem com crises, derrotando a lógica do laissez-faire. Nos anos 70-80, esse nível de intervenção do Estado deixou de ser visto como eficaz e foi dado mais espaço aos mercados. Hoje, as ferramentas que temos também parecem incapazes de responder à urgência dos grandes desafios que o mundo enfrenta: a aproximação de ponto de não retorno no aquecimento global, uma explosão das desigualdades, a produtividade estagnada, os Estados de mãos atadas pelo endividamento ou receio do mesmo, os bancos centrais a esgotar os limites da sua capacidade de intervenção, a confiança nas instituições a afundar, os sistemas fiscais que não acompanham uma nova realidade digital e a regulação incapaz de travar a concentração de poder de mercado. Estes problemas foram ganhando visibilidade desde a crise financeira internacional, mas a Covid-19 fez com que o debate fosse mais urgente e oportuno. Rahm Emanuel, antigo chefe de gabinete de Barack Obama, tornou famosa a frase: “Nunca se deve desperdiçar uma crise grave.” Jacobs concorda. “Todas as pessoas perceberam que esta é uma crise única nesta geração que força os governos a repensar as suas políticas”, afirma. “É uma crise terrível, GET T Y IMA GE S VOLTAR À ESCOLA PARA INOVAR E MANTER A EMPRESA SUSTENTÁVEL Temas de sustentabilidade estão na agenda dos empresários e ecoam ainda mais junto dos alunos saídos da faculdade. Pandemia pode colocar nova luz sobre o fator social Cruzar os contributos de inovadores sociais, gestores empresariais e agentes de política pública para ajudar a colocar a sustentabilidade no centro das decisões empresariais: é o objetivo a que se propõe o executive master in Sustainable Business & Social Innovation, que arranca este mês na Católica Lisbon School of Business & Economics. “As empresas estão a integrar os temas da sustentabilidade na sua estratégia e na cadeia de valor, mas precisam de inspiração para essa inovação”, justifica Filipe Santos, dean da Católica-Lisbon, em entrevista à EXAME. O novo programa, que abordará tendências como o consumo sustentável, a economia circular, a inclusão ou a eficiência energética, apoia-se no recém-criado Center for Responsible Business and Leadership da escola e é parte da aposta da instituição na sustentabilidade, em que se incluem programas como o Purpose-Driven Business ou Responsible Business. Nuno Moreira da Cruz, diretor do master, diz que a oferta coincide com uma maior sensibilidade para o tema: “O que era empurrar portas fechadas em Portugal há três anos, hoje é empurrar portas meio abertas. Já há seis ou sete empresas que puxam o comboio.” Do lado dos alunos que saem das faculdades, o compromisso com estes princípios é ainda maior, asseveram os dois responsáveis. “As empresas de elite começaram a perceber que, sem políticas mais ativas de sustentabilidade, o melhor talento não quer ficar com elas”, sublinha Filipe Santos. SOCIAL EM ASCENSÃO, PANDEMIA COM EFEITO INCERTO Ainda que ambiente seja a primeira palavra que nos vem à cabeça, Nuno Moreira da Cruz salienta que os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) mais relacionados com a componente social são os que mais têm progredido nos últimos anos. Portugal acompanha com sinal mais na implementação de ODS como a erradicação da pobreza; a paz, justiça e instituições eficazes; e o trabalho digno e crescimento económico, embora desempenhe menos bem no domínio da produção e do consumo sustentáveis, por exemplo. Temas como estes podem ganhar ainda mais eco na atual crise de saúde pública, num embate frontal do qual estão por medir os estragos. Da mesma forma, é ainda incerto se todos os agentes estarão em condições de responder (e como o farão). “A pandemia é o teste do algodão: quem se portava mal, pior se porta e quem se portava bem, melhor se porta”, considera o diretor do master. “Mas trouxe a questão da sustentabilidade para cima da mesa com uma regularidade muito maior.” Já Filipe Santos tem dúvidas sobre o efeito que a crise terá no compromisso das empresas, fragilizadas pelo impacto da queda do consumo e da perda de negócios: “A questão é saber se o vai acelerar ou retrair. Perante um desafio de sobrevivência, muitas empresas vão focar-se no essencial”, deixando para trás apostas já feitas. “Só não o farão se perceberem que essas estratégias de sustentabilidade são centrais e que são o caminho”, refere o dean. Nuno Moreira da Cruz vai mais longe: “Não existem estratégias de sustentabilidade , a sustentabilidade é a estratégia. Se eu substituo as lâmpadas por LED, mas ando a pagar diferente a homens e mulheres, ou tenho as criancinhas [a trabalhar] na fábrica, isto vai correr mal...”. Em plena pandemia, mas com os olhos postos para lá dela, a Católica-Lisbon lançou em maio o Prosper: Center of Economics for Prosperity, que vai produzir trabalhos de análise económica em temas centrais para o bem-estar dos cidadãos e para a retoma. P.Z.G. Talento sustentável Católica-Lisbon estreia novo master em sustentabilidade, dirigido por Nuno Moreira da Cruz. Filipe Santos, dean da escola de negócios, diz que empresas de elite já perceberam a importância do tema para reter talentos mas se há uma coisa boa que podemos retirar dela é a ideia de que os governos podem executar grandes mudanças.” A OCDE não é a única instituição preocupada em aproveitar este momento de transição. Numa participação num debate recente, a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, frisou que “seria ter vistas curtas regressar à economia de ontem, com os seus problemas de desigualdade crescente”. “Devemos olhar para a frente e aproveitar a oportunidade para construir uma ponte para algo melhor: um mundo mais justo e mais equitativo; mais verde e mais sustentável, mais inteligente e, acima de tudo, mais resiliente.” As principais instituições internacionais também têm evoluído no seu pensamento. O FMI, que aconselhou programas de austeridade, pede agora que os governos gastem mais. A OCDE, que durante anos aconselhou os governos a liberalizar os mercados de trabalho, é agora mais cautelosa nessa área e tem liderado a busca de formas alternativas de pensar a economia. Agora, o combate ao vírus pode ter aberto uma espécie de caixa de Pandora. Os eleitores viram os governos fazer coisas que talvez não imaginassem serem possíveis. Porque não fazer um esforço semelhante com a crise ambiental? Será possível voltar a pôr o génio dentro da lâmpada? “Se a situação é assim tão séria , e basta olhar para os incêndios na Costa Oeste dos EUA e outros fenómenos extremos por todo o mundo ,, as pessoas vão perguntar porque não podemos tomar medidas de emergência, se o fizemos com a crise do coronaví“Devemos aproveitar a oportunidade para construir uma ponte para algo melhor: um mundo mais justo, mais equitativo, mais verde, mais sustentável e mais resiliente” Kristalina Georgieva Diretora-geral do FMI ECONOMIA CIRCULAR E MENOS PLÁSTICO O setor agroalimentar e as retalhistas tentam reduzir e reutilizar o plástico, aproveitar mais e desflorestar menos Os dados da Associação Industrial e Comercial do Café e da European Co?ee Federation são claros: cada português consome, em média, 4,73 quilos de café por ano. Isto significa que há toneladas de borras de café que todos os dias vão para o lixo. Consciente desta questão e com a sustentabilidade na agenda da empresa, a Delta estabeleceu, recentemente, uma parceria com a NÃM , Urban Mushroom Farm. “É um projeto de economia circular que consiste em dar uma nova vida à borra do nosso café”, esclarece à EXAME o CEO do Grupo Nabeiro ,Delta Cafés. “O processo baseia-se na recolha controlada da borra de café nos nossos clientes e na sua utilização para a produção sustentável e consciente de cogumelos, na cidade de Lisboa, que posteriormente serão vendidos a esses mesmos clientes onde fomos recolher a borra, completando um círculo perfeito. De forma a tornar este processo possível a uma maior escala, apoiámos e investimos no projeto do jovem empreendedor Natan Jacquemin: a NÃM , Urban Mushroom Farm, em Marvila. Nasceu assim a primeira Urban Mushroom Farm da cidade de Lisboa, que já está a produzir os primeiros cogumelos, embora ainda não haja data de chegada destes ao mercado. E numa altura em que os portugueses voltaram a consumir café de cápsula em força, graças à pandemia causada pela Covid-19, a Delta faz também saber que “o primeiro blend da marca com cápsula 100% biodegradável, o Delta Q EQO, será lançado neste último trimestre e terá tripla certificação de sustentabilidade: Certificação Rainforest Alliance, que trabalha para conservar a biodiversidade e garantir meios de subsistência sustentáveis”. Já as grandes retalhistas têm estabelecido consistentemente metas para reduzirem a sua pegada ecológica. O grupo Jerónimo Martins afirma-se como o único “retalhista alimentar mundial classificado com A em todas as commodities de risco de desflorestação: óleo de palma, soja, madeira e gado bovino”, bem como “a única empresa portuguesa avaliada em todos os programas: Climate Change, Forests e Water Security. O grupo tem, também, investido milhões de euros, ao longo dos últimos anos, em projetos de reflorestação e de produção de energias limpas. Já a Sonae tem-se centrado sobretudo na redução de utilização de plástico de difícil reciclagem ou de uso único. Nos últimos meses, anunciou o lançamento do projeto LIFEFood Cycle, em consórcio com a Phenix (FR), o qual permitirá às lojas Continente não desperdiçar produtos alimentares em risco de quebra, “tanto através de doações solidárias quer também através da venda B2B a novos parceiros, que se prevê ocorrer a preços mais baixos”, esclarece fonte oficial da empresa à EXAME. M.V.L. rus”, antecipa Jacobs. Na realidade, essa resposta já começou a chegar. A União Europeia, por exemplo, parece decidida a aproveitar esta oportunidade. Depois de negociações duras em torno do plano de recuperação, este ficou com um poder de fogo de 750 mil milhões de euros. Além de voltar a colocar a economia de pé, o Next Generation EU pretende trazer para o centro das prioridades uma transição “verde e digital”. Os investimentos e reformas apoiados por estes fundos terão de respeitar as prioridades europeias no clima e no ambiente, seja apoiar empresas em fase de transição, seja investir em energias renováveis, no hidrogénio, em transportes não poluentes ou em novas infraestruturas. No Discurso sobre o estado da União Europeia de setembro, Ursula von der Leyen anunciou uma ambição reforçada nos planos de redução das emissões de dióxido de carbono, que terão agora de cair 55% até 2030. A Europa não resolverá o problema sozinha, mas pode servir de referência. Nos Estados Unidos da América, tudo vai depender de quem vença as eleições presidenciais. Com Donald Trump na Casa Branca, os próximos quatro anos não deverão trazer grande progresso nesta área. Mas uma vitória de Joe Biden deverá fazer com que Washington acompanhe Bruxelas neste esforço de reconversão da economia, com um megaprograma de investimento. Para a líder do FMI, não há dúvidas de que a economia não poderá prosperar sem dar passos decisivos na luta contra o aquecimento global. “O nosso mandato é estabilidade, crescimento, emprego e meL UÍS B ARRA FÉRIAS SEM PEGADA Mais decisiva na escolha dos destinos, sustentabilidade entrou no léxico do turismo UM SETOR A CUMHyphen PRIR ParenleftMAS NÃO EM TUDOParenright Progressos na energia e água, regressão nos resíduos: é o retrato do compromisso ambiental do alojamento turístico no País, em 2019, segundo um inquérito do Turismo de Portugal. Dois terços implementaram medidas de uso eficiente da energia, como lâmpadas economizadoras, regulação local da climatização e equipamentos desligados quando não necessários; 70% geriram a água de forma racional (mudança de toalhas e lençóis a pedido dos hóspedes, redutores e cargas diferenciadas em chuveiros e autoclismos). Mais distante está a separação ou a minimização de resíduos. Só 60% apresentaram estas boas práticas (menos três pontos percentuais do que em 2018). A ambição é superar 90%, em 2027. TERRA AQUECE A ÁGUA O tempo não está para anunciar grandes investimentos, e menos na hotelaria e no turismo, em grandes dificuldades. Mas o Ombria Resort, que deverá ser inaugurado dentro de pouco mais de um ano, renovou a intenção de instalar “um dos maiores sistemas de geotermia da Península Ibérica”, no valor de EUR2 milhões. O sistema de baixa profundidade usará o calor da terra para aquecer e arrefecer o interior das instalações do Ombria, na produção de águas quentes sanitárias e no aquecimento da água das piscinas. A empresa garante que esta fonte de energia é “renovável, limpa e está disponível 24 horas por dia”, ajudando ainda a reduzir custos com a energia. REVIVE A NATUREZA COM MAIS IMÓVEIS Lançado em julho, o concurso para se atribuir a exploração com fins turísticos de 16 antigos postos fiscais e instalações florestais por 25 anos terminará no dia 19 deste mês e já registou, até ao momento, mais de uma centena de contactos com manifestações de interesse. Até ao fim deste ano ou princípio de 2021, está previsto o lançamento de mais três concursos (um dos quais deverá ter ocorrido nos últimos dias de setembro), com mais 27 imóveis. O anúncio da nova leva de edifícios surge numa altura em que a oferta de alojamento e de atividades turísticas mais isolada, localizada no Interior do País e ligada à Natureza, reforçou a sua atratividade devido às restrições e receios com a pandemia. Fechar o círculo Rui Miguel Nabeiro, CEO do Grupo Nabeiro , Delta Cafés, garante que a empresa está comprometida com um melhor aproveitamento de recursos lhoria das condições de vida. Nunca vamos ter estabilidade até resolvermos a crise de clima. A boa notícia é que, com o enorme estímulo orçamental colocado no terreno, nas palavras de Lyndon Johnson, podemos andar e mascar pastilha ao mesmo tempo. Podemos tratar da recuperação da Covid-19, que é necessária, e da crise climática”, defendeu. PRISÃO DO PIB Outro dos problemas do statu quo é a forma como medimos o sucesso económico, normalmente centrado no Produto Interno Bruto (PIB). Quando foi criado , e sucessivamente aperfeiçoado ,, ele foi recebido como uma bênção: um número único capaz de nos resumir o andamento da economia e de fácil comunicação à UBER ACELERA ATÉ 2040... SILENCIOSA E SEM FUMO Eletrificação total da frota deve chegar em menos de duas décadas. Lisboa e Porto, que começaram o caminho há quatro anos, podem estar mais perto da meta São quatro anos a fazer um caminho que, entretanto, apanha a boleia de uma estratégia mundial renovada, apostada em reduzir a pegada ambiental do transporte partilhado de passageiros. Em 2016, Portugal foi mercado pioneiro no lançamento do serviço Uber Green, que permite reservar deslocações exclusivamente em carros elétricos, e este gerou, desde então, mais de 7 milhões de viagens. Agora, aquela plataforma multinacional compromete-se a tornar toda a frota elétrica até 2040 e a fazer com que, até 2025, metade das viagens em sete cidades onde está presente (Lisboa incluída) seja assegurada por este tipo de viaturas. “A pandemia tem um fator acelerador do ajuste que a Uber escolhe fazer deste regresso à normalidade, de uma forma mais sustentável, para ajudar as cidades e as pessoas que lá vivem”, sustenta à EXAME Manuel Pina, diretor-geral da Uber em Portugal. A transformação parece estar a intensificar-se. A partir de meados de julho, já com a crise de saúde pública a penalizar o negócio dos TVDE (chegou a cair 80% no pico da pandemia e vive atualmente uma recuperação “bastante rápida”), a Uber passou a admitir apenas veículos elétricos na frota. A adesão de motoristas com estas viaturas mais ecológicas decorre “em linha com o esperado”, segundo o responsável que se recusa a quantificá-la por ser “muito cedo”, negando que a medida crie uma primeira e uma segunda classes de veículos, dando primazia aos elétricos, em detrimento dos que usam combustíveis fósseis. “A Uber está empenhada em criar condições para que eles [condutores de carros a combustíveis fósseis] possam manter a sua atividade de uma forma não disruptiva”, afirma. METAS PRÓPRIAS Os sistemas de partilha de veículos são considerados pelo Plano Nacional Energia e Clima (PNEC 2030) como uma via para se reduzir o impacto no ambiente e se aumentar a eficiência energética. O objetivo do País é diminuir 40% das emissões de gases com efeitos de estufa no setor dos transportes, que hoje representa 24% do total de emissões de CO2 e mais de um terço do consumo de energia. A Uber reconhece a ambição das próprias metas e sabe que terá de ter carro cheio para fazer este caminho, ou seja: vai ter de multiplicar os parceiros, como os operadores de renting (como a LeasePlan, para fornecimento das viaturas), as redes de carregamento (como a PowerDot, com a qual tem trabalhado na redução do preço de carregamento e maior disponibilidade de carregadores), as cidades, os reguladores e os fabricantes. Contributos para superar as principais barreiras à eletrificação, como a escassez de pontos de carregamento, a falta de veículos no mercado a preços acessíveis (incluindo em segunda mão) e a insuficiência de incentivos financeiros, que ainda limitam a competitividade do carro elétrico face a um veículo movido a combustível fóssil. “Essas três áreas são importantes para Portugal. Não há uma que digamos que seja mais importante do que a outra, as três têm força sinérgica entre si”, considera o responsável pela Uber no País. Mesmo com esses condicionamentos, os quilómetros percorridos por Lisboa e Porto, nos últimos anos, com a adoção de veículos elétricos posicionam estas cidades na frente de um percurso que só termina, o mais tardar, em 2040, quando toda a frota deixar de emitir gases nocivos. Mas, ao contrário de Paris e de Londres, onde a empresa criou programas de apoio à eletrificação, não é de esperar que as cidades portuguesas tenham um mecanismo específico semelhante. “Já fazemos, enquanto veículos TVDE, contribuição de 5% das nossas receitas para um fundo [ambiental] que tem como um dos seus objetivos a eletrificação da frota. Não vamos criar nada adicional”, diz Manuel Pina, recusando comentar a aplicação que o Estado faz dessas verbas. Ainda assim, na estratégia Spark!, em que explica os seus objetivos de eletrificação para os próximos anos, a Uber defende que os incentivos à compra de viatura elétrica deviam estar condicionados ao seu uso mais ou menos intensivo, se o que se pretende é reduzir as emissões de gases nocivos. “O Governo e os reguladores devem aumentar o empenho no que diz respeito às condições fiscais para substituição de veículos de combustão fóssil por veículos elétricos, para todas as atividades, sobretudo as que usem o carro como forma de trabalho e façam muitos quilómetros dentro das cidades”, sublinha Manuel Pina. P.Z.G. MAR COS BOR G A população. Se está a cair ou a crescer devagar , é mau. Se está a avançar rápido , é bom. Simples. No entanto, hoje somos prisioneiros do indicador. Não só a sua utilização se universalizou como passou a ser usado para coisas para as quais ele não serve. Nada garante que um PIB mais alto signifique que os habitantes do país estejam a viver melhor. E como podemos depender tanto de um indicador que não incorpora nos seus cálculos o impacto negativo da degradação ambiental? “É muito difícil fugir ao PIB e claro que não lhe queremos escapar totalmente. Continua a ser uma medida útil. Mas não é a única forma de julgar o sucesso da economia”, diz Jacobs. Alguns economistas argumentam mesmo que relativizar o crescimento económico não chega. É preciso desistir de crescer. Isto é, enquanto insistirmos em aumentar a produção, só vamos pôr mais pressão sobre o planeta. Jacobs considera que quem defende o “decrescimento” está a cometer um erro semelhante ao de quem acha que o crescimento económico deve ser o alfa e o ómega da avaliação do progresso. “Em algumas atividades queremos crescer, noutras não. Atividades muito dependentes de combustíveis fósseis, por exemplo, terão de recuar. E é inevitável que as economias avançadas cresçam a um ritmo mais lento do que nos habituámos no passado”, espera. O que estes académicos e instituições dizem é que é possível um equilíbrio diferente dentro daquilo que conhecemos como capitalismo. Outras correntes mais radicais acham que uma economia de mercado não é capaz de ultrapassar os desafios que temos pela frente. Como prova, usam as últimas décadas. Foi em 1988 que James E. Hansen, diretor do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da NASA, anunciou ao Congresso norte-americano que podia dizer, “com elevado grau de confiança”, que existia uma relação causa-efeito entre o efeito de estufa e o aquecimento que se estava a viver nesse ano. Foi um dos primeiros cientistas de topo a dar como certa a relação entre a ação humana e as alterações climáticas. Nestas três décadas, os esforços para travá-las têm sido desapontantes. É possível que, para o conseguir, seja necessária uma intervenção mais musculada do Estado, seja com a criação de novas indústrias e desenvolvimento de tecnologias ainda longe da maturidade seja com apoios sociais ao previsível exército de “derrotados” da transição. Numa entrevista dada à EXAME, o escritor Nathaniel Rich dizia que “o tempo para reformas moderadas e graduais acabou há 30 anos”. “Precisamos de transformações furiosas, numa escala equivalente à mobilização para uma guerra mundial”, acrescentava. Embora agora, empurrados pela Covid-19, haja algum ímpeto para uma verdadeira transformação económica, não é de todo garantido que ela chegue. A crise é tão devastadora que pode ser tentador voltar a pôr a economia a funcionar, deixando para trás as metas ambientais. Se o fizermos, será mais uma oportunidade perdida. Muitos argumentam que será a última. E “É uma crise terrível, mas se há uma coisa boa que podemos retirar dela é a ideia de que os governos podem executar grandes mudanças” Michael Jacobs Professor na Universidade de She?eld Empurrar a transformação Manuel Pina, diretor-geral da Uber em Portugal, pede empenho das autoridades na criação de condições fiscais para a substituição de frota por carros elétricos, sobretudo nos casos de utilização intensiva