Certamente!

Paulo Querido. Na Internet desde 1989

14 de janeiro de 2021

Quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Hoje: vamos não cometer o erro crasso de deixar Ventura à solta, vamos enfiar um balde de água fria sobre as presidenciais e o cenário de crescimento dos extremismos, vamos falar de um livro sobre o papel dos hackers, e vamos fazer um ponto de ordem à mesa — o problema da erosão da democracia não é novo e é global.


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É tempo de reagir. Decreto que continuar a temer o efeito de vitimização que eventualmente faria crescer a carraça política que é o partido de André Ventura é a partir de agora um erro crasso.

Os insultos de Ventura aos candidatos à Presidência da República deviam ser a gota de água a fazer transbordar o copo da paciência dos portugueses. Ventura excedeu-se demais e vezes demais. Justifica ser processado por todas as pessoas individuais e coletivas que ofendeu. Justifica queixas pelos seus incumprimentos das leis. Justifica ser investigado judicialmente por esses incumprimentos.

André Ventura tem de responder aqui e agora pelos seus atos. Como qualquer pessoa. Ser deputado confere-lhe uma proteção apenas até certo ponto. E por outro lado dá-lhe responsabilidades às quais ele foge sistematicamente.

Não vejo neste assunto zonas cinzentas. Apenas branco e preto. Ou a organização social que somos o trata como está estipulado serem tratados os cidadãos que infringem os pactos e leis, ou merece ser desfeita por ele.


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E por falar em candidatos presidenciais, recorramos ao passado para deixar bem claro, clarinho como água, que a aposta do Chega é uma aposta de levado risco: concorrer visando apenas a exposição mediática da campanha eleitoral como forma de ganhar lastro para futuras eleições legislativas é um lance sem cobertura.

O Paulo Pena recordou as presidenciais que reelegeram Mário Soares, em 1991, como “provavelmente o melhor termo de comparação com esta eleição. A reeleição do Presidente em funções é tida por garantida; o partido que governa — sendo do campo político rival do Presidente — decide não apresentar candidato; os eleitores sentem-se “livres” para expressar descontentamento, pôr areia na engrenagem, sobretudo porque sabem que não haverá qualquer consequência prática desse protesto — a reeleição está garantida, e isso é tudo o que interessa”.

A diferença para 1991 está no calendário eleitoral: nove meses depois das presidenciais houve legislativas, enquanto no próximo outono teremos autárquicas. Há 30 anos “nenhum dos resultados “anormais” das primeiras resultou em alterações significativas nas segundas. O PSD, que não tinha candidato presidencial (como agora o PS não tem), ganhou nova maioria absoluta. O PS, cujo candidato recolheu 70,3% dos votos (!!) teve uns meses depois 29,1. Os candidatos que brilharam, nas Presidenciais — Basílio Horta (CDS), com 14% e Carlos Carvalhas (PCP), com 12,9%, — viram os seus partidos receber, respectivamente, 4,4% e 8,8%, nas eleições seguintes”, lembra o jornalista.

Daqui conclui ele e concluo eu: cuidado com as análises sobre os resultados de todas as candidaturas que ficarem abaixo do 1º lugar. “Ter um “bom” resultado numa eleição deste tipo (excepto para o vencedor) não significa que uma força política conquiste votos de maneira duradoura.Qualquer bom resultado nesta eleição é apenas um sinal do que se vive agora, não uma chave interpretativa para o futuro”.


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O Pedro Fonseca publicou hoje no TICtank uma oportuna recordação histórica: o PDF descarregável de The Hacker Crackdown — Law and Disorder on the Electronic Frontier, de Bruce Sterling, publicado vai fazer 30 anos. Na recensão o Pedro escreve que o livro “ajuda a enquadrar como se chegou à actualidade do tema hacking, de forma genérica. É “um livro sobre a fronteira electrónica nos 1990s” e “a história das pessoas do ciberespaço”. Foi o momento em que as autoridades tomaram atenção ao fenómeno do hacking e das suas potenciais consequências, no momento e futuras”.

Não deixes de ler. E já agora aproveito, porque já o andava para escrever há algum tempo, para recomendar o TICtank. O Pedro é uma máquina impressionante de curadoria, além de um competente investigador de assuntos. Se o caudal diário for excessivo para ti, faz como eu e subscreve o apanhado semanal em forma de newsletter, no site ou no Substack.


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E a propósito do endosso acima: uma das coisas pensadas para o diário foi precisamente este género de recomendação. Há dias tinha citado uma espetacular newsletter sobre política americana. Lido semanalmente com muitas dezenas de autores — de originais e de curadorias, filtros — que valem a pena e publicam em newsletters e podcasts, e/ou podem ser seguidos no Facebook ou no Twitter. Não me decidi ainda a fazê-lo numa base regular por não ter a certeza que isso te interesse.

Ora, não há nada como perguntar: gostarias de ver no diário recomendações de outras newsletters, ou de podcasts, ou de autores e curadores que são máquinas de valor acrescentado em matéria de conhecimento? Clica em Responder ou o que for que diz o botão do teu leitor, ou aqui.


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A citação do dia: “Tudo isto revela que o problema da erosão da democracia não é novo e é global. Mas só será superado se o enfrentarmos no plano nacional, com coragem, sentido de compromisso e, principalmente, com sentido de urgência. Importa, contudo, que este debate seja verdadeiramente abrangente e que não se alicerce em equívocosJorge Moreira da Silva no DiárioDeNotícias



OPINIÕES

J.-M. Nobre-Correia escreve sobre a agência Lusa Estado português: Os horizontes de uma ambição. NotasDeCircunstância 👉

Maria João Marques escreve sobre mulheres: Ana Gomes tem razão em protestar: há ambientes hostis para mulheres. CapitalMagazine 👉

Rui Cardona Ferreira escreve: A pandemia e o risco do “wishful thinking”. DiárioDeNotícias 👉

Gabriel Leite Mota escreve sobre populismo: Os votantes nos populistas não são uns coitadinhos. Público 👉

Miguel Ricou escreve sobre a Humanidade no século XX: A Psicologia, a democracia e os direitos humanos no contexto do debate das Presidenciais 2021. Expresso 👉

José Gusmão escreve sobre gestão de saúde: SNS e eficiência. LadrõesDeBicicletas 👉

Ana Paula Martins escreve sobre Vacinação covid-19: farmacêuticos, para que vos quero?. Público 👉