Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Sete palavrõezinhos do português

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Apetecia-me apresentar-vos a origem de alguns palavrões, mas isso pede-me algum tempo que por estes dias não tenho. Pois, sendo assim, lembrei-me de vos trazer os meus palavrõezinhos preferidos. Sim, aquelas palavras que ou são velhos palavrões que perderam a força ou são palavras com alguma afinidade fonética com algum palavrão e que vêm em auxílio do nosso cérebro quando nos cai a boca para o palavrão e não queremos dizer as sílabas todas…

  1. «Bolas.» Não sei muito bem donde virá este palavrãozinho, mas é bem possível que tenha começado como um grande palavrão. Pois, de caminho, lá foi perdendo força. Não sei — talvez esteja enganado e a palavra nunca tenha tido nada a ver com o que todos estamos a pensar. Ora bolas!
  2. «Chiça.» Chiça penico — e pronto, lembro-me do Shrek. Andei à procura da origem desta palavra, mas não encontrei nada de jeito. Terá alguma coisa a ver com a Scheisse alemã? Poderá um palavrãozinho tão português ter origem bem germânica?
  3. «Caraças.» Dá muito jeito, então não dá? Uma pessoa começa a dizer «ca…» e acaba doutra maneira, para não ficar atrapalhado. É uma palavra do caraças! E serve para quase tudo: é pior que o caraças, vai pò caraças, caraças, pá!
  4. «Carago.» Será que as gentes do Norte dizem mesmo «carago» muitas vezes? É que eu cá nunca os vi a evitar outras palavras um pouco mais fortes. Não será uma caricatura sulista e os nortenhos, na vida real, dizem sempre a outra palavra? Fica a pergunta…
  5. «Fogo.» E aqui temos outra palavra que começa exactamente como um certo palavrão. Damos com um dedo na porta e dizemos «FO…» e mais calmos acabamos em «…go». É para isto mesmo que servem os palavrõezinhos. Se o dedo estiver mesmo partido, aconselho vivamente acabar em «…da-se». Dizem que faz bem.
  6. «Fónix.» Sim, eu sei: no fundo este é outro dos palavrõezinhos do tipo «fo… deixa-me lá arranjar outra palavra para não parecer mal». Mas sempre lhe achei muita piada: pois lembra-me fénix, como se tal ave ressuscitasse das cinzas e lhe saísse um «fónix, outra vez?». Delírios muito meus, claro está. Ah, sim, eu sei que fénix termina com o som «ch», mas o que querem? O raio da palavra tem lá o «x»…
  7. «Raisparta!» Há muitos, muitos anos, ia eu muito bem pela estação de Entrecampos com o meu amigo Luís ao lado quando passa um comboio da Fertagus e apita mesmo ali ao pé de nós. Dei um salto e sai-me este grande palavrão: «Raisparta!» Gritei de tal maneira que o Luís se virou de lado e disse: «Agora grita aqui no outro ouvido, que é para ficar surdo dos dois.» Fiquei sem saber que raio de cérebro tenho eu que preferiu um «raisparta» a um bom «f…». E também não sei se o maquinista fez de propósito ou não…

Para outro dia ficam os palavrões mesmo a sério. Mas hei-de aqui escarrapachá-los — e até espero não perder muitos leitores! (No entretanto, não se esqueçam daquele segredo da língua em que tento explicar por que razão os palavrões nos põem o coração aos saltos — é o 9.º, se bem me lembro…)

E, já agora, qual é o vosso palavrãozinho preferido?

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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8 comentários
  • O “chiça” sempre me soou ao “Jesus” inglês com sotaque; fiquei com essa ideia ouvindo amigos de Moçambique ou África do Sul que o utilizam regularmente.
    O meu preferido: bolas! é o mais suave. Noutro tempo já disse muitos mais fortes, agora só se apanha-se mesmo o dedo na porta.

  • De todos os palavrãozinhos acima descritos há um que me ressalta à face, não por ser assim tão grosseiro mas, porque percebi que o autor não conseguiu “acertar-no-cravo” ao descrever a seu significado, na sua expressão real. Não pretendo, em absoluto, vangloriar-me da proeza de poder afirmar que estou completamente certo quando der a minha opinião mas, sim, contribuir para o esclarecimento do que, penso ser, o significado popular desta palavra: CHIÇA é uma ordem que se dá aos um animais, mormente suínos, no sentido de fazê-los recuar, afastar-se ou quando se pretende repeli-los para que se retirem, quase sempre esta palavra é acompanhada ou seguida de um gesto feito com as mãos e braços indicando a ordem que deve ser executada. A origem desconheço mas a expressão “chiça-penico” é muito usado nos meios rurais para demonstrar estupefacção, espanto ou admiração.

  • Gostei da teoria da ” caricatura sulista” que tentaria explicar que o “carago” nortenho afinal não o era (dito, claro). Mas nisso se engana o meu caro Marco Neves. É que as gentes do Norte, e mais propriamente as do Porto, dizem efectivamente a palavra “Carago”. Se é para substituir o vernáculo “car***o ou não, isso já não consigo afirmar, até porque eles não se coíbem de o dizer, alto e bom som, em momento nenhum.

  • “Fosga-se”. Uso-o bastante mais do que o “Fogo”. Ah, e lembrei-me agora de repente que quando era miúdo usava o “pôçaras” mas há séculos que não uso isso. E a minha avó dizia “mééééchara!”

    Ah, já agora, Março, quando explicar a origem daquele palavrão cujo eufemismo é o “caraças”, poderia confirmar se de facto se refere ao ponto mais alto de um mastro, para o qual o capitão mandava de castigo um marinheiro mal comportado?
    (“Vá pó c…!!!” durante uma tempestade em alto mar devia ser um castigo e peras!)

  • Como sou do Porto posso confirmar o uso de “carago” , a torto e a direito. Que substitui o outro é,também,verdade. Lembro o meu pai que não dizia nem um nem outro, ficava-se pelo “ca”. Já amenizava a tempestade.

  • Em criança usava muito a palavra “porra” sem saber o significado e era sempre muito repreendida pelos meus pais. Ela pertence a este grupo de palavras? Qual a origem?

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